Sentirmo-nos bem connosco e com a nossa imagem sempre foi um desafio. A partir do momento em que ganhamos consciência do “eu”, do que o “eu” representa ou de como se apresenta aos outros, procuramos estar no nosso melhor, ou no que achamos ser o nosso melhor. Um rosto sem rugas, um nariz alinhado, um decote elegante e uma barriga lisa são alguns dos desejos habituais e, aparentemente, cada vez mais frequentes – mas porquê? A causalidade pode não ser evidente, mas o certo é que já existem alguns estudos a indicar que este aumento se deve ao uso cada vez maior das redes sociais, onde com filtros e outras aplicações se transmite uma ideia de “perfeição” visual.
Aparentemente, o uso de um filtro de Instagram ou Snapchat é inofensivo, mas pode deixar de o ser muito facilmente e acabar num transtorno obsessivo com a “imagem perfeita”. As redes sociais vieram alterar a perceção de beleza em todo o mundo, alimentando tendências que podem ser perigosas: com estas aplicações, eliminar rugas, machas e pequenas imperfeições está a um clique de distância e, de repente, a imagem filtrada, imaculada, passa a ser a imagem desejada. Para termos uma ideia concreta, em 2019, um estudo da Academia Americana de Cirurgia Facial Plástica e Reconstrutiva, que analisava dados do ano anterior, referia que 55% dos cirurgiões tinha pacientes que solicitavam procedimentos para “melhorar a sua aparência em selfies”, um aumento de 13% face ao ano anterior.
A obsessão com o físico já é tão frequente que é caso de estudo ano após ano e tem até “nome próprio”: dismorfia corporal. De uma forma simples, podemos falar de dismorfia corporal como um transtorno mental, em que a pessoa vive em constante stress por causa da sua aparência, identificando defeitos que, muitas vezes, para os outros nem são consideradas falhas.
A dismorfia corporal sempre existiu, mas não como agora. A grande exposição e permanência nas redes sociais tem-se refletido num aumento de casos ano após ano, o que de traduz também num aumento da procura por cirurgias e tratamentos estéticos, já que são vistos como a solução para transpor a imagem do digital para a realidade. Um estudo da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, lançado no ano passado, indicava que cerca de 13% dos pacientes que pediam cirurgia estética sofriam de dismorfia corporal. É certo que o panorama americano tem outra escala, mas, infelizmente, é uma tendência também evidente na Europa e mesmo em Portugal.
Na verdade, estas cirurgias para atingir o seu ideal estético podem até ser bastante satisfatórias, mas, no geral, tratando-se de um transtorno, a ansiedade volta com o tempo e retomamos novamente à correção de falhas inexistentes. Umas atrás das outras, as cirurgias podem colocar em causa a saúde do paciente, além de que eliminam toda a sua identidade. Cabe, por isso, ao cirurgião analisar caso a caso a aconselhar da melhor forma: muitas vezes, o melhor é não fazer nada. Noutras, pode fazer sentido avançar, se estiverem reunidas todas as condições desejáveis e se o impacto para autoestima for evidente sem que outras questões sejam postas em causa.
E não se pense que isto é um problema apenas dos mais jovens, habitualmente vistos como mais frágeis e influenciáveis. Apesar de atingir muito os adolescentes e jovens adultos, este é um transtorno que se arrasta por todas as faixas etárias: outro estudo, este da Sociedade Norte-americana de Cirurgiões Plásticos, fez uma ligação direta às relações online e ao consumo de redes sociais por parte de pessoas com idades entre os 54 e os 72 anos e a sua procura por cirurgias plásticas. A conclusão é que, entre 2017 e 2018, registou-se um aumento de quase 50 mil procedimentos estéticos realizados em norte-americanos com 55 anos ou mais.
A nossa identidade é o que de mais valioso temos e cabe-nos a nós tratar dela. Podemos e devemos todos procurar uma melhor versão de nós mesmos, que nos faça sentir melhor, mas nunca a perfeição. A maior parte das vezes, o que vemos em redes sociais são imagens altamente manipuladas, irreais e que não devem nunca moldar os nossos padrões de beleza. Por isso, é essencial aceitarmo-nos como somos e, ao avançar com procedimentos estéticos, avançar com plena consciência do que representam e do que implicam. Acredito que devemos todos apostar em resultados mais naturais, que respeitem a individualidade e a estrutura do corpo de cada um, e fazer disso uma tendência.